quinta-feira, 15 de abril de 2010

Do preço dos combustiveis e outras realidades


Segundo os meus registos, o preço da gasolina aumentou cerca de 13% no tempo de vida da Indiana, cerca de 6 meses. Como a inflação no mesmo período deve ter sido de cerca de 1% , e não tendo havido nem escassez de oferta nem aumento da procura de combustíveis, os actuais preços praticados são para mim um perfeito mistério.

Para o Português médio isto é uma grande injustiça.

Para mim não.

O Português médio vai para todo o lado de automóvel e como tal considera direitos básicos, senão mesmo divinos, o acesso a combustíveis baratos, impostos de circulação reduzidos e lugares de estacionamentos gratuitos. (Na falta destes, acha-se no direito de estacionar em qualquer lado). É extraordinário o consenso que existe na sociedade portuguesa sobre estes assuntos, um consenso que transformou as nossas cidades em auto-estradas, as nossas praças e jardins em parques de estacionamento e os nossos idosos, crianças e deficientes em reféns nas suas próprias casas, cercados pelos omnipresentes pópós que tudo ocupam. Nem os turistas conseguem tirar uma foto decente aos nossos monumentos, cercados que estão sempre por automóveis (mal) estacionados.

O Português médio ri-se quando ouve dizer que uma boa percentagem das deslocações de um Dinamarquês ou Holandês são feitas de bicicleta, que o acesso ao centro de Londres se paga, que no Japão o estacionamento gratuito simplesmente não existe e que só pode ter carro quem prove ter também garagem. Fica chocado se lhe dizem que nos Estados Unidos conduzir embriagado dá prisão efectiva, que em Singapura um acidente com um ciclista ou um peão é sempre culpa do automobilista, independentemente das circunstâncias.

O Português médio sai atrasado de casa e depois tenta ganhar tempo fazendo loucuras na estrada, vai almoçar a quilómetros do trabalho (porque merece) e no regresso faz mais um slalom a velocidades vertiginosas, porque está atrasado para a reunião. O Português médio, por mais que os preços subam, nunca deixa o carro em casa nem anda mais devagar para poupar combustível. Quando alguém diz que veio devagar na Auto Estrada, quer dizer que veio a 140 km/h! O Português médio atropela 17 pessoas por dia, mas raramente assume a sua culpa. O Português médio parece uma pessoa normal, um ser inteligente, até que o vês a conduzir.

Não tenho já muita paciência para o Português médio. A maior parte das vezes as pessoas só mudam se a tal forem obrigadas. Como o estado parece que se demitiu do seu papel de fiscalizador, a esperança recai agora sobre os aumentos dos combustíveis. Talvez eles tirem finalmente gente da estrada e ajudem a modificar os nossos insustentáveis paradigmas de mobilidade. Não se iludam, as mudanças vão acontecer, mais tarde ou mais cedo. A bem ou a mal.

3 comentários:

Rui Tavares disse...

Gostei da forma média como colocaste a questão. Lamento é desiludir-te se te disser que o preço alto dos combustiveis não resolverá nada disso. Apenas vai servir de desculpa para aumentar o preço dos bens essenciais e de todos os outros. Entretanto o Português médio vai tirar os filhos da escola mais ou menos onde andam e coloca-los numa escola pouco média, passar a comprar roupa na feira de Espinho e investir em mais gasolina e ecrans de plasma, ou melhor de Led que é o que está a dar agora.
Sim, estamos condenados a viver rodeados pela média... Todos.

ana disse...

O aumento dos combustíveis não tem nada a ver com a diminuição do uso do transporte individual. Tem a ver com o aumento do preço dos alimentos (de que precisamos mais se começarmos a ir de bicicleta ou a pé nas nossas deslocações e não é pouco mais), dos transportes públicos (que precisamos quando as deslocações não se compadecem com a bicicleta ou com andar a pé), dos produtos fabricados (por causa do aumento do preço das matérias primas, da energia e dos transportes para os levar às superfícies comerciais), entre outras coisas que vão fazer com que a nossa economia afunde mais um bocadinho... Mas acho que era uma sorte se fosse verdade o que dizes...

Pedro disse...

não vou dizer nada d novo. adoro o teu retrato do português médio e vejo-o todos os dias pois à 29 anos q sou pedestre/ciclista. só mudará qdo houver leis.

o preço do combustivel nada fará pra mudar as atitudes, e como já disseram, dificilmente o dinheiro vem das outras coisas (educação, cultura) pra pagar a despesa.

e nos comerciantes, basta subir os preços com a desculpa da gasolina estar cara. sobe-se até mais uns centimos já a contar com as proximas subidas.

o que ajuda são textos como o teu. e votos mais conscientes.