segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Rumo ao Sul


Mais um fim de semana prolongado, mais uma expedição de scooter. Desta vez, no fim de semana que englobava o 5 de Outubro, resolvemos rumar a Sul. A ideia era proveitar o que ainda sobrasse do calor, do espirito de férias, do verão, que este ano se mostrou tão tímido.

Como de costume, não fizemos grandes planos, nem reservas, e simplesmente preparamos o material do costume (ver 500 Km de Scoopy), verificamos as previsões meteorológicas e fizemo-nos à estrada, em direcção à Ponte Vasco da Gama. Já tinha lido inúmeros relatos de vespistas intrépidos que circulavam por ali a caminho do Sul do País, aparentemente sem problemas. Mesmo assim, recordando a experiência na Recta do Cabo, não estava muito entusiasmado com a ideia de atravessar 12 km de "autoestrada" na Scoopy, carregada e com duas pessoas a bordo. Mas a travessia decorreu sem incidentes, e seguimos para Setúbal, onde retemperamos forças com sardinhas e choco frito. Uma delicia!


Com o Estômago aconchegado, seguimos no Ferry para Tróia, já bem animados e com espírito de viajantes. A estrada para Sul, sempre o mais próximo possível do mar, era bem agradável, mas havia muito trânsito automóvel, a praticar as costumeiras manobras xico-espertinhas, que não nos deixavam tranquilos. Havia também as raízes das arvores à beira da estrada que provocavam umas bolhas no asfalto. Estas eram claramente perigosas para uma scooter como a nossa, as suspensões não as digeriam e provocaram alguns sustos. Entretanto, descuidei-me com a gasolina e tivemos sorte em poder abastecer num posto em Melides, já a funcionar a vapores, com a agulha completamente fora da escala. Poucos quilómetros depos depois, cruzamos caminho com uma longa caravana de viaturas clássicas, e não resistimos a ir atrás deles para umas fotos, saindo por momentos do nosso percurso Norte-Sul. Felizmente a perseguição não durou muito e pudemos admirar uns belos exemplares de Vespas e algumas motorizadas cuidadosamente restauradas.


Depois tuo ficou mais fácil. Nas estradas largas de acesso a Sines, a Scoopy carregada quase chegou aos 100 km/h, sem que eu tivesse a sensação que estava a forçar o motor. A partir de Sines, o ritmo foi mais tranquilo e fomos apreciando a bela paisagem. Vimos tambem pelo caminho inúmeros ciclistas que estavam aparentemente a seguir o mesmo percurso que nós, e levavam bagagem e material de campismo. Uma ideia que também já alimentei no passado e que espero realizar um destes dias.

Cansados e com o pôr do Sol a um par de horas de distância (tínhamos partido tarde), resolvemos procurar alojamento em Porto Covo. A nossa preferência era por Bungalows em parques de campismo, mas depressa descobrimos que não tínhamos sido os únicos a pensar nisso. A senhora da recepção do parque da Ilha do Pessegueiro riu-se na nossa cara, quando lhe dissemos que não tínhamos reserva. A reacção foi mais ou menos a mesma por todo o lado, inclusive em hotéis. Tudo lotado. "É fim de semana grande, percebe?" Percebo. Mas então e a crise?


Resumindo, acabamos a pagar um preço absurdo por um apartamento excessivamente piroso no centro de Vila Nova de Milfontes. Aceitamos tudo, de tão cansados que estávamos, não sei se da viagem, se do susto de não ter onde dormir e posterior procura intensiva de alojamento. A Marta ainda disse que a praia era sempre uma opção, mas eu queria uma cama e já não estávamos propriamente em Agosto...


O Lugar era, ainda por cima, barulhento e com automóveis a mais, que estacionavam em qualquer sítio e de qualquer maneira, como se de Lisboa se tratasse. Enfim, resmungamos um bocado e depois resolvemos aproveitar o melhor possível.


Demos passeios à beira mar, onde ainda se podiam ver alguns aventureiros a tomar banho, passeámos por Porto Covo, demos as voltas todas da praxe. Resolvemos tambem aproveitar a infraestrutura que tínhamos ao nosso dispor e jantamos sempre em casa, com produtos recém comprados num Ali Super do outro lado da estrada. Senti-me um pouco como a família de Chelas em férias num T0 em Armação de Pera, mas agora já não havia muito a fazer...


Na Manhã de Domingo estávamos de regresso à estrada, e fomos rumando a norte tranquilamente, aproveitando o pouco trânsito que havia na estrada. Fomos parando para fazer fotos e a hora do almoço apanhou-nos antes de Tróia, pelo que almoçamos num restaurante muito bem frequentado uns quilómetros antes da península.


Pouco depois, começava-mos de novo a capitalizar no facto de andarmos de scooter: no ferry para Setúbal, como tinha-mos descoberto na vinda, as motos, ciclomotores e bicicletas podem passar à frente na fila. O que aliás faz todo o sentido. Desta vez porem, não pagámos bilhete de ciclomotor como tinha acontecido antes, contrapondo o senhor da bilheteira que "aquilo não é uma scooter, é uma mota." Não o estávamos a tentar enganar, a Scoopy é uma scooter, não lhe vou chamar outra coisa... Questões de cilindrada à parte, voltámos mais à frente a escapar de uma enorme fila nas portagens da Ponte Vasco da Gama, depois de uma curta viagem em autoestrada a velocidades vertiginosas. Sim, perto dos 100 km/h! Desta feita a Scoopy chegou cansada (quase em sobreaquecimento) a casa, tal como os donos, que apesar disso ainda tiveram muitos afazeres nesse domingo, que passaram por mais uma tentativa de vender o carro e ver uma mota para a Marta...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Não é preciso muito para viajar

Ando a ver se escrevo o relatório de uma ida a Milfontes e dei por mim a pensar que precisava de uma máquina mais potente e com mais capacidade de carga. De vez em quando dá-me para isso. Mas depois vou comer e a coisa passa. A questão é que nem é verdade, mas há sempre uma pressão da sociedade ou da mãe cultura para fazer mais e melhor... ou maior! Se podes ir de Jaguar, é claro que não vais de bicicleta. Certo? Quem diz jaguar diz Burgman 400, mas nã... O espírito não é esse, por alguma razão deixei o carro em casa! Para me livrar destes apetites comodistas, nada como uma visita ao amigo You Tube... Lembram-se como as revistas de duas rodas estão sempre a falar (no verão!) de como qualquer moto serve para uma viagem, que é só agarrar numas roupas por-nos a caminho? Então vejam isto:

terça-feira, 16 de outubro de 2007

The Bourne Scooter

Estive a ver em casa o The Bourne Ultimatum. Se gostam de filmes de acção/espionagem, isto é do melhor que os americanos têm feito nos últimos anos. Tem ritmo, não é demasiado disparatado (nem no argumento, nem com as proezas físicas do herói, nem com os efeitos especiais) e é convincente e realista quanto baste. Também cai bem com umas pipocas. Mas não estou a falar desta película propriamente pelos seus méritos cinematográficos, mas sim porque aparecem por lá várias scooters! Sim, numa sequência filmada no norte de África podemos apreciar como as scooters servem as necessidades de locomoção locais às mil maravilhas. Inclusive há uma bonita Vespa PX que serve (de várias maneiras) o mau da fita do momento. Vale a pena espreitar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

500 km de Scoopy (2ª Parte)

Éramos practicamente os únicos ocupantes do parque de campismo, e mesmo as poucas outras pessoas que víamos tinham o estranho hábito de desaparecer rapidamente. Um dia vimos uma tenda a ser erguida de manhã e de tarde já lá não estava... E de noite o ambiente era ainda mais estranho, o parque deserto, a nossa pequena tenda sozinha no meio das árvores... A verdade é que normalmente estávamos tão cansados que não perdíamos o sono com estas questões.

Os dias foram ocupados com passeios a Martinxel, Abrantes, Tomar e arredores. As estradas locais eram razoáveis e os condutores pareciam menos stressados e mais atentos que os habituais enlatados da capital. Por norma as ultrapassagens eram feitas respeitando as distâncias de segurança e, embora também circulassem demasiado depressa, pareciam mais atentos às particularidades de um motociclo. De resto havia uma maior consciência geral em relação às duas rodas. Vimos, por exemplo, vários locais de estacionamento para motociclos, coisa que em Lisboa é actualmente pouco mais que um mito.

Nas estradas secundárias, a Scoopy, aligeirada da sua carga, não tinha problemas em manter um ritmo confortável. Só nos sentimos mais tensos quando tivemos de utilizar estradas com muito trânsito, em redor de Abrantes, por exemplo. Mas normalmente era um prazer circular tranquilamente, apreciar a paisagem e descontraír. Estava um pouco receoso de andar de noite, mas em alguns dias isso foi mesmo inevitável e fomos brindados por uma iluminação perfeitamente capaz. Não me esqueço de uma viagem de regresso de Constância, depois de um jantar no único restaurante local ainda aberto. Era uma noite sem Lua e entre nós e os sacos-cama quentes e macios (na tenda!) estavam uns quilómetros de estrada recheada de curvas apertadas, temperadas com repentinas subidas e descidas... Um carrocel de adrenalina para a malta das RRs sem dúvida, mas eu estava mais preocupado em saber se conseguiria sequer ver alguma coisa. Esse problema posto de parte (a iluminação da SH parece a de um automóvel) a condução não deixava de ser extremamente exigente. Fiz aquele caminho várias outras vezes e nunca consegui sentir, em nenhum momento, que tinha tudo sobre controle. Acho que tenho que lá voltar.


Os nossos dias de férias passaram depressa, aquelas jornadas de passeios estavam prestes a terminar. Voltávamos com as memórias, como a da senhora octogenária que vendia frutos secos à beira da estrada e nos confidenciou que também ela era motociclista, ou a perene imagem do paredão iluminado da Barragem, das construções monumentais de Tomar, do jardim em Abrantes com o seu velho e venerável corvo negro, a loja de bicicletas onde comprei um capacete integral, os voluptuosos jantares no Ti Coimbra... Era enfim tempo de voltar, e já suspirávamos só de pensar na Lisboa poluída, habitada por demasiada gente medicada ou com uma urgente necessidade de o ser.

Fizemos paragem no Castelo de Almourol, para mais uma vez admirar aquela construção saída de um conto de fadas. Depois demorámo-nos no Entrocamento e quase sem darmos por isso estávamos às portas da capital. Parámos numa bomba de gasolina para nos prepararmos para o que estava para vir. O vento tinha-nos acompanhado mais uma vez todo o caminho e o seu efeito acentuava-se agora que estávamos na planície. O trânsito era muito intenso e a famigerada Recta do Cabo não estava muito longe. Desta vez eu tinha um capacete integral, mas fora isso a nossa situação não tinha melhorado muito: Continuávamos à mercê do vento lateral, e era por isso impossível circular a mais de 70-75 km/h. A SH estava capaz de fornecer um pouco mais de velocidade de ponta, mas o vento tornava tal prática num eventual suicídio. Os modos dos camionistas e motoristas também não tinham melhorado. Estava toda a gente demasiado excitada e apressada para reparar que faziam as ultrapassagens dentro da nossa faixa, por vezes tão perto que eu temia que a propria oscilação provocada pelo vento originasse uma colisão. Por diversas vezes buzinei para evitar o choque, mas isso parecia só motivar gestos agressivos, quando não absoluta indeferença. Fomos inclusivamente ultrapassados por um pesado, que assim que se viu apretado por alguém que vinha em sentido contrário, atirou com a enorme caixa de carga para cima de nós. Esta estava à altura dos meus olhos e gelei quando a vi a aproximar-se, tive literalmente que me desviar para salvar a cabeça, quase invadindo a berma.

O mais revoltante era saber que a velocidade máxima permitida em quase todo o percurso era 80 km/h e nós estavamos quase a atingi-la. Os camionistas circulavam alarvemente a mais de cem e os ligeiros à velocidade que conseguissem. Todos faziam as ultrapassagens “suicídas” que tornaram os portugueses famosos por esse mundo fora. Quase a chegar à ponte de Vila Franca, em que surgem duas faixas para o sentido em que seguíamos, tínhamos um enorme TIR a morder-nos os calcanhares. Já só lhe via a grelha no retrovisor e ouvia um rugido enorme enquanto a pesada máquina balançava de um lado para o outro, impaciente por nos ultrapassar. A pressão era tal que cheguei a pensar em desistir, abdicar do meu direito de utilizar a via e circular pela berma, pelo menos até chegar à ponte. Mas a berma estava em muito mau estado e cheia de detritos vários, pelo que depressa esqueci a ideia e voltei a concentrar-me na condução. Os metros iam passando e acumulando, e nós ainda ali estávamos. A Ponte cada vez mais perto. A determinada altura o camião atrás de nós parece ter desistido da ultrapassagem e parou com seu bailado infernal, resignado a não nos passar. Pobre coitado, deve ter chegado 25 segundos mais tarde ao destino, por nossa causa.

Apanhei a saída para Vila Franca e fomos dar com o engarrafamento da hora de ponta local. Estava ainda a assimilar a informação de ter saído daquela tortura e dei por mim a entrar na cidade aos gritos: “Estou vivo!” dizia gesticulando energicamente para os incrédulos enlatados, imobilizados no trânsito. “Estou vivo!! Ainda estou vivo seus #$%@#»&!!!”