quinta-feira, 26 de julho de 2007

Estão a tentar matar-me!

É essa a ideia que nos vem à cabeça quando, com a tinta da licença ainda fresca, nos lançamos de scooter (ou de moto) na confusão de Lisboa. Há uma década que conduzo automóveis e é preciso ser autista ou muito artista para não dar conta do rol de distracções, transgressões, abusos, e manifestos casos de "Chico-espertismo" que fazem das nossas estradas um autêntico campo de batalha. Mas os humanos adaptam-se a tudo, e com o tempo acabamos por considerar quase banal o pior que nos possam atirar.

Mas isso é assim enquanto temos à nossa volta pára-choques, chapa, zonas de deformação programada, airbags, cintos com pré-tensores... No dia em que, pela primeira vez, sem ser em aulas, sem ser no exame, sem ser no parque de estacionamento, me lancei (legalmente por fim!) no trânsito de uma louca sexta feira em hora de ponta, nos arredores da capital... o que senti foi isso mesmo: "esta gente está a tentar matar-me!"

Encontrei mais tarde, em inúmeros fóruns, a mesma experiência, a mesma sensação, mencionada por muitos principiantes nestas lides. No fundo é natural. Os automobilistas na verdade não querem matar-nos, ou melhor, é-lhes completamente indiferente se morremos ou não, desde que isso não os faça perder tempo. Eles estão muito ocupados a escolher CDs, estações de rádio, a falar ao telemóvel, a comer o pequeno almoço ou o lanchinho da tarde, a fazer a barba, retocar a pintura dos lábios, discutir com o pendura ou com os miúdos, regular o assento, usar o GPS, ou mesmo, como é comum ver-se na A5, ler o jornal ou utilizar um PDA ou portátil. Com tanta actividade quase se esquecem de conduzir. E o que vale é que os carros quase se conduzem sozinhos e são "seguros". Mas em cima de uma scooter de dois metros de metal e plástico, com tão só 130 kg de peso, a sensação é muito diferente. Segurança passiva não há, e a segurança activa depende em grande medida das nossas capacidades, ou falta delas, no caso de um recém encartado. Nestes primeiros tempos, tenho poucas oportunidades para gozar a sensação de liberdade, o prazer de sentir o ar fresco na cara, e mil coisas que, como disse alguém, não preciso mencionar a quem conhece e nunca conseguirei explicar a quem nunca experimentou.

Sim, ao princípio o que me ocupa é o condutor do carro da frente que trava sem razão, o que muda de faixa (para cima de mim!) sem olhar, os peões que atravessam em qualquer sitio e de qualquer maneira, os taxistas suicidas, o automobilista que atravessa duas faixas de repente e nos barra o caminho por que viu um lugar para estacionar do outro lado da avenida, os que que querem fazer corridas no semáforo, porque ficam despeitados com o facto de uma "vespa", que custa três mil euros, arrancar mais depressa que o "TDI" pelo qual se endividaram em trinta mil... Uma distracção, uma só, e não há chapa amolgada, há lesões. É preciso experiência para lidar com isso.

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